Vida em fuga
Sáb, 05 de Fevereiro de 2011 19:49
Já fazem 15 anos, mas até hoje Emanuela Firmino diz que ainda não conseguiu superar o trauma vivenciado naquele domingo, 30 de junho de 1996, quando seu pai, conhecido por Baiano [Agilson dos Santos Firmino] e seu irmão Uilder, de penas 13 anos foram brutalmente assassinados pelo ex-coronel da Polícia Militar, Hildebrando Pascoal e seus homens, que formavam o temido Esquadrão da Morte no Acre. O menino foi executado para fazer sofrer o pai, que mais tarde foi torturado e morto de uma forma já mais vista: fatiado por uma motosserra, para pagar pela morte de Itamar Pascoal, irmão de Hildebrando. Baiano e o filho Uilder foram mortos porque o pai não soube explicar onde estava o assassino do irmão de Hildebrando, simplesmente por não ser cúmplice e nem manter com José Hugo relação próxima. Numa entrevista exclusiva ao repórter de ac24horas, Salomão Matos, Emanuela, hoje com 30 anos, revela que a família dela, depois de todo sofrimento, foi enganada pela justiça e todas as instituições de segurança do Acre e que até se escondem temendo por vingança do coronel reformado da Policia Militar. “Vivemos um pesadelo onde não se pode acordar”, diz ela.
Leia a entrevista:
ac24horas - A data é 30 de junho de 1996; o você recorda desse dia?Emanuela - Era um Domingo. Me lembro muito bem como se fosse agora. Ainda não sabíamos de nada do que havia acontecido com meu pai. Então, por volta das 23h, dois homens chegaram na nossa casa e disseram que eram da polícia e que um de nós deveria acompanhá-los até o quartel da PM. Minha mãe foi. Ela foi praticamente arrastada da nossa casa e ficamos eu e meus dois irmão menores [Eder 11 anos e Uilder de 13], sozinhos e com muito medo.
ac24horas - Seu pai conhecia o José Hugo? Qual era a relação entre eles? Eram amigos?Emanuela - Eles eram apenas conhecidos. Meu pai tinha uma pensão e servia quentinhas [prato feito] para os empregados do Hugo, só isso. Meu pai nunca foi mecânico como falam por ai. Ele não trabalhava para o Hugo e nem era amigo dele.
ac24horas - E como vocês ficaram sabendo da morte do seu pai?Emanuela - Na mesma noite de domingo os homens da policia voltam trazendo minha mãe para casa e disseram que um de nós (filhos) deveria ir com eles. Eu queria ir (...) mas disseram que tinha que ser um menino homem e levaram o Uilder e só no outro dia, na segunda-feira ficamos sabendo de tudo pela televisão.
ac24horas - Então vocês ficaram sabendo da morte do seu pai e o Uilder, só no outro dia?Emanuela - Sim. Nós não sabíamos o que havia acontecido com meu irmão ainda. Então minha mãe, desesperada, pegou a gente e saímos num taxi pela cidade e sem conhecer nada. Eu lembro que minha mãe não tinha nem dinheiro e pagou a corrida do taxi com um relógio que o pai havia dado para ela.
ac24horas - Não seria mais sensato procurar a polícia?Emanuela – Sim, mas minha mãe já sabia que eles não iam ajudar a gente e voltar na PM era perigoso. Ai fomos na secretaria de segurança. Lá, ao invés de ajudarem, eles disseram para nós nos esconder de todo jeito e nem pensar em voltar para casa. Nem que fosse para pegar uma muda de roupa. Nada, absolutamente nada. Eles praticamente nos jogaram na rua sem nos oferecer nenhum tipo de ajuda, nem mesmo proteção contra os homens que mataram meu pai e meu irmão.
ac24horas - E para onde vocês foram?Emanuela - Nos escondemos num banheiro público que não me lembro em que lugar era. Fedia muito. Era sujo. Tremíamos. Fazia frio e nós não sabíamos se tremíamos de medo ou de frio mesmo. Não dava para controlar. Ficamos lá nesse banheiro por muito tempo.
ac24horas - Vocês então não tinham amigos e nem parentes por aqui?Emanuela - Minha mãe tinha uma amiga e fomos nos esconder na casa dela. Ela é muito humilde. Foi a única pessoa que nos deu abrigo naquele dia de terror.
ac24horas - Vocês fugiram porque conheciam Hildebrando Pascoal?Emanuela - Nunca havíamos ouvido falar nesse homem até aquele dia. Lá na secretaria de segurança foi que disseram quem ele era. Os policiais mesmo falavam pra gente que não adiantava se esconder, que ele [Hildebrando] iria nos encontrar de qualquer jeito. Inclusive eles perguntaram se a gente sabia rezar, pois para eles era como se já estivéssemos condenados a morte.
ac24horas - Qual o momento que foi mais marcante nessa história toda? Vocês imaginavam que iriam morrer também, é isso?Emanuela – Claro! A todo instante pensávamos que iria entrar um monte de policiais atirando na gente. Era um terror só. Nem dormimos direito. Mas o pior foi quando ficamos sabendo que meu pai teve as pernas e braços serrados com uma motosserra e meu irmão tinha sido torturado antes de ser assassinado. Aquilo pra gente foi... se você não sabe o que é o inverno... foi o que vivemos. Meu Deus... [chorando]
ac24horas - Nos inquéritos, o Ministério Público Estadual, diz que deu a vocês ajuda e proteção...Emanuela - Tudo mentira. Não tivemos ajuda de ninguém. Saímos fugindo do Acre com ajuda dos nossos parentes que moram fora dai. (não querendo informar endereços). Fomos abandonados. Só depois, muito tempo depois eles nos procuraram para que déssemos depoimentos na justiça.
ac24horas - O que vocês esperam da justiça, hoje?Emanuela - A justiça com os condenados que mataram o meu pai e meu irmão já foi feita. O que nós queremos é reparação. Queremos que o Estado se responsabilize pelos danos que causaram á minha família. Não temos mais endereço. Além do meu pai e do meu irmão mortos, perdemos a nossa referência enquanto família. Fomos tratados no Acre como cachorros. Nós somos gente e eu ainda acredito que exista direitos humanos nesse país. O Estado foi culpado também pelo nosso sofrimento e dor. O Estado tem a sua parcela de culpa e tem de pagar por isso. Queremos justiça!
ac24horas - Hoje você disse estar com 30 anos, faz faculdade de Serviço Social, disse que quer escrever um livro e depois fundar uma ONG. Como pretende fazer isso?Emanuela - Eu já criei um blog [ http://vidaemfuga.blogspot.com/ ] e agora quero dar seguimento nos meus estudos e vou escrever um livro sobre meu pai. Um homem cheio de sonhos que veio para o Acre em busca de uma vida melhor e encontrou a morte. Um homem que era praticamente cego porque tinha problemas nas vistas, por isso, nunca aprendeu a ler e nem a escrever. Mas... que era um ótimo pai e amigo. Era um sonhador.
ac24horas - E a ONG? você não citou...Emanuela - Quando me formar, pretendo criar uma ONG de ajuda as famílias vitimas da violência nesse nosso Brasil. Vítimas das injustiças da própria justiça que os abandona quando essas famílias mais precisam.
ac24horas - Muito obrigado.Emanuela - Por nada. Eu só pediria para que vocês do ac24horas jamais informar onde estamos morando. Como bem sabe, preso no nosso país comanda os seus de dentro dos presídios. Não somos ignorantes. Só queremos justiça viver e paz.
NOTA DO EDITORO ex-deputado federal cassado e coronel reformado da PM no Acre, Hildebrando Pascoal Nogueira Neto, cumpre pena hoje no presídio de segurança máxima Antônio Amaro Alves, em Rio Branco no Acre. Foi condenado por esse e outros crimes pela justiça acreana a 106 anos de cadeia. Hildebrando, também responde na Justiça do Piauí, a uma denúncia do Ministério Público Estadual daquele estado, de ter degolado com uma faca José Hugo Alves Júnior, o Mordido, assassino de seu irmão Itamar Pascoal no dia 30 de junho de 1996.
Bom dia querida!
ResponderExcluirAssim como você, a condução política do Acre tem feito muitas pessoas sofrerem como você. E infelizmente até hoje não mudou, porque mudaram-se as armas, mas a metodologia permanece.