Após 20 anos, uma filha revoltada cansou do silêncio
Passados 20 anos do assassinato mais brutal do Acre, a filha de Agilson Firmino dos Santos, o homem que teve parte dos braços pernas amputados por uma motosserra, decidiu quebrar o silêncio e falar detalhes da tragédia que a família viveu e cobrar das autoridades do Estado a promessa de uma pensão vitalícia.
Emanuela Firmino, hoje com 35 anos, tenta levar uma vida normal, mas é difícil para ela, a mãe de 60 anos e o irmão Eder Firmino dormirem sem ter pesadelos.
A história do “Crime da motosserra”, como ficou conhecida, começa num domingo às 11:00hs no dia 30 de junho de 1996. Itamar Pascoal, irmão de Hildebrando Pascoal, é morto em um posto de combustível no bairro Bosque depois de uma discussão.
O atirador é José Hugo Alves. Ele não aceita um tapa no rosto e atira com um revólver no peito de Itamar, que morre na hora. Junto com Hugo, dentro do carro assistindo a tudo, sem nada poder fazer, estava o seu amigo: Agilson Firmino dos Santos, conhecido como “Baiano”.
Os dois sabiam que tinham mexido com a família errada e fogem do local. Começa uma das maiores perseguições da história da polícia acriana. Hugo conseguiu sair do Estado, mas “Baiano” é capturado logo no dia seguinte em Sena Madureira.
Na caçada, antes de chegar à vítima, um grupo de policiais ligados a Hildebrando vai à casa de “Baiano” onde estava a esposa e três filhos menores. A mulher Evanilda Lima de Oliveira é levada para o quartel da PM com a desculpa de que o marido tinha sofrido um acidente. Quando volta à noite para casa descobre que o filho de 13 anos, Wilder Firmino de Oliveira, também tinha sido levado por policiais.
Esses detalhes são revelados pela filha mais velha, Emanuela Firmino de Oliveira, que não quer mostrar o rosto e nem contar onde reside atualmente. Ela resolveu quebrar o silêncio e contar os horrores que a família viveu, mexer em cicatrizes psíquicas que atormentam a mente dos sobreviventes da tragédia.
“Se eu viver mil anos nunca esquecerei o terror que vivi no Acre. Perdi de forma bruta meu pai e meu irmão e por pouco toda a família não foi dizimada”, reclamou.
Na mesma noite em que o pai e o irmão não voltaram, mãe e filha saíram em busca dos dois pelas delegacias e hospitais sem conseguir notícias. Na segunda-feira, dia primeiro de julho, elas notam que estão sendo seguidas.
Policiais chegam a abordá-las e ameaçá-las. Segundo Emanuela, foi nesse momento que descobriu que o irmão e o pai estavam prestes a perder a vida. “A gente até aquele momento ainda não tinha entendido o que aconteceu. Não sabíamos até que ponto meu pai estava envolvido na morte do Itamar. Nosso desespero só aumentou e ficamos com medo de perder a vida”, falou.
Nesse mesmo dia, “Baiano” é capturado e levado para um barracão no bairro Estação Experimental, onde hoje é um estacionamento. O imóvel pertencia a Alípio Ferreira, que depois será eleito vereador de Rio Branco.
No banheiro do barracão, “Baiano” ficou algemado e passou por todo tipo de tortura. Os olhos são perfurados, um prego é colocado na testa. Mas, o terror acontecerá com os braços e pernas que serão amputados com uma motosserra.
“Eu vi meu pai um dia antes de tudo acontecer. Ele parece que estava adivinhando a morte. Disse para mim: lute por tudo que você desejar, não desista. Foi a última coisa que ouvi dele. Depois só vi fotos de meu querido pai sem pernas e braços. Imagina para uma adolescente absorver tanta violência com alguém que você ama”, disse chorando.
Na terça-feira, 2 de julho, o corpo de “Baiano” é jogado em um terreno baldio na avenida Antônio da Rocha Viana. É pelo rádio que Emanuela, o outro irmão de 12 anos e a mãe vão descobrir que o pai foi assassinado. O locutor fala de um corpo com braços e pernas decepados. Eles não têm dúvidas: ainda vão até o IML. Mas, com medo, não entram.
Na época dos crimes, “Baiano” morava com a família no bairro Preventório. “Na terça-feira, saímos para o IML, mas, com medo, decidimos nos esconder. Nem voltamos para casa. Deixamos para trás documentos, fotos, roupas e todos os bens. Saímos pedindo ajuda, muitas pessoas não nos ajudaram porque também tinham medo da reação da família Pascoal. Apenas uma amiga deixou a gente ficar escondida por uma semana na casa dela”, contou.
Depois de uma semana escondida apenas com a roupa do corpo, parentes que moram na Bahia enviaram dinheiro para que comprassem passagens e saíssem do Acre.
Foi no esconderijo, dois dias depois, na quinta-feira, que veio a notícia da morte do garoto de 13 anos. Sem poder fazer andar, Evanilda e os filhos choraram baixo e continuaram agarrados uns aos outros.
O copo de Wilder foi encontrado na BR-364 entre Rio Branco e Sena Madureira. A coluna tinha sido quebrada; ácido foi jogado no peito da criança para dizer onde estava o pai. No final, ainda levou um tiro. O irmão de Hildebrando, Pedro Pascoal, foi condenado a 20 anos de prisão pelo assassinato do garoto.
A família de “Baiano” (ou que sobrou dela) conseguiu sair do Acre apenas com a roupa que estava vestida. Na época, Wilder e “Baiano” foram enterrados como indigentes. “Esse trauma dificilmente será superado. Minha mãe não que falar do assunto. Vinte anos depois, usa como proteção o silêncio. Ela tem 60 anos, mas quando a gente olha parece que tem 90”, comparou.
O julgamento
O caso “Baiano” só virá à tona com a prisão de Hildebrando Pascoal em 1999. Nem um inquérito policial foi feito em 1996. Um ano depois da morte de “Baiano”, a polícia decidiu encerrar o caso alegando que não existia nada que se indicasse o autor do crime.
Toda a cidade sabia quem era o corpo do homem que foi jogado no terreno baldio, por que tinha sido assassinado e os principais culpados, mas houve um pacto de silêncio entre as autoridades do Estado.
Um ano depois da morte de “Baiano”, dois agentes foram até o local e informaram no inquérito que tinham conversado com algumas pessoas. Como não conseguiram coletar informações, podiam encerrar o caso.
Em 2009, Hildebrando e mais oito pessoas foram julgadas pelo crime. Evanilda, Emanuela e o irmão Eder voltaram ao Acre depois de 13 anos. Eles contaram durante o depoimento o sofrimento que passaram e assistiram a Hildebrando contar que não tinha matado “Baiano” e que os braços e pernas foram cortados com um terçado por Alípio Ferreira, que tinha falecido sete anos antes do julgamento.
Ele contou que os membros foram cortados para retirada das algemas. “A pena de 18 anos para Hildebrando foi injusta. Ele acabou com uma família e mesmo assim a condenação foi pequena. Quanto aos outros envolvidos, tem deles que foram até absolvidos. Não interessa correr atrás dessa história. Não vai trazer meu pai de volta”, criticou.
O que mais revolta Emanuela é que passados todos esses anos nunca receberam uma ajuda. Quando soube do sumiço do irmão, ela e a mãe ainda procuraram a secretaria de Segurança.
Na época, disseram que nada podiam fazer. “Quando chegou o período do julgamento, o Ministério Público prometeu conseguir uma pensão vitalícia no valor de mil e oitocentos reais para a mãe e novecentos reais para cada um dos filhos”. A promessa não foi cumprida e hoje ela nem consegue falar com os promotores e procuradores do caso.
Mais três acusados pela morte de “Baiano” ainda serão julgados: Pedro Pascoal, irmão de Hildebrando, e os primos Amaraldo Pascoal e Aureliano Pascoal, que, na época, era comandante da Polícia Militar.
Na mesma noite em que o pai e o irmão não voltaram, mãe e filha saíram em busca dos dois pelas delegacias e hospitais sem conseguir notícias. Na segunda-feira, dia primeiro de julho, elas notam que estão sendo seguidas.
Foi no esconderijo, dois dias depois, na quinta-feira, que veio a notícia da morte do garoto de 13 anos. Sem poder fazer andar, Evanilda e os filhos choraram baixo e continuaram agarrados uns aos outros.
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